Caro usuário, nesta unidade vamos aprender o que é dislexia, considerando as suas causas e consequências nos níveis pessoal, social e acadêmico dos indivíduos.
Os seguintes tópicos serão tratados:
● o que é dislexia?
● qual é Impacto de ser disléxico?
● o que causa a dislexia?
● Entender o que é dislexia.
● Explicar como essa condição se expressa no comportamento e na vida da criança.
● Comparar diferentes definições de dislexia.
● Listar os fatores causadores da dislexia.
● Comparar as diferentes causas da dislexia postuladas por diferentes teorias.
● Avaliar as consequências da dislexia.
Dislexia vem do grego e significa “dificuldade com as palavras”.
Existem dois tipos principais:
1. dislexia do desenvolvimento, que é uma condição inata. Será o foco neste curso on-line; e
2. dislexia adquirida, quando a pessoa perde a habilidade de ler e de escrever como resultado de uma lesão no cérebro ou de uma doença. Esta condição é também chamada de alexia.
Caro usuário, clique aqui para informações sobre as dislexias adquiridas, retiradas de Pinheiro (2008).
Segundo especialistas e consultores da Dyslexia International, a dislexia do desenvolvimento (usualmente referida apenas como dislexia) é um transtorno do neurodesenvolvimento que afeta a linguagem, sendo uma condição vitalícia e frequentemente hereditária.
Dela resultam persistentes problemas relacionados a:
• leitura
• soletração
• escrita
Associa-se comumente a dificuldades com:
• concentração
• memória de curto prazo
• organização
• sequenciação (alfabeto, dias da semana, meses…)
A dislexia não é causada por:
• baixas capacidades intelectuais
• escolaridade deficitária
• estrutura familiar frágil
• recusa em aprender
A dislexia também não é causada por problemas na visão, audição ou coordenação motora. No entanto, em alguns casos, esses problemas podem coexistir com a dislexia.
O que dissemos acima sobre a dislexia ser uma condição vitalícia significa que o comprometimento neurobiológico que causa a dislexia PERMANECE mesmo nos disléxicos que recebem ensino especializado da leitura e da escrita e que com muito esforço conseguem ler e escrever satisfatoriamente.
É muito importante descartar os possíveis impactos de fatores psicológicos e físicos ao explicar as dificuldades em leitura, em soletração e em escrita. Os professores podem sugerir aos pais que busquem averiguar se seus filhos apresentam alterações orgânicas, como problemas de visão ou perda auditiva por recorrentes otites (infecção na orelha média), ou outras deficiências físicas que prejudiquem a aprendizagem.
Assista ao seguinte vídeo do Projeto Individualmente [Instituto CEFAC e Instituto ABCD] e perceba o quão importante é reconhecer a existência da Dislexia em nossa sociedade.
Pessoas com dislexia possuem problemas fundamentais ao relacionar a linguagem escrita com a linguagem falada. Essa dificuldade ocorre em diferentes graus, sendo que, enquanto um aluno pode ter uma dislexia leve, outro poderá apresentar um comprometimento mais severo. Além disso, a capacidade de relacionar a linguagem escrita à falada depende do tipo de ortografia à qual o disléxico é exposto (ex., português, inglês, mandarim).
A manifestação da dislexia é maior nas ortografias em que a relação entre grafema e fonema (leitura) e entre fonema e grafema (escrita) é muito irregular, as chamadas ortografias opacas (ex., inglês e francês), em comparação com as ortografias mais regulares, também chamadas de ortografias transparentes (ex., espanhol e italiano).
Assim, podemos pensar a síndrome da dislexia como um espectro com diferentes graus de comprometimento da leitura, que dependem de fatores intrínsecos da criança e também de fatores culturais.
Nas pessoas com dislexia “as palavras escritas não são processadas de forma correta e rápida o suficiente”.
Professor José Morais, Universidade Livre de Bruxelas, Bélgica.
Mas há um lado positivo. Seja qual for a severidade das dificuldades com a leitura e a escrita, crianças com dislexia frequentemente apresentam “capacidade de aprendizagem média ou acima da média para sua idade”.
Dr Harry Chasty, Consultor Internacional.
É fato que “os disléxicos têm muitos talentos, mas a leitura e a escrita não estão incluídas entre eles”.
Professor John Stein, Universidade de Oxford, Reino Unido.
Essa capacidade diferenciada pode incluir:
• uma ótima habilidade espacial, “demonstrada”, por exemplo, na construção de modelos sem o uso de instruções;
• a habilidade de pensar profundamente sobre assuntos e fazer perguntas pertinentes e sensatas, usando vocabulário avançado;
• consciência social bem desenvolvida;
• habilidade de resolver problemas rapidamente; e
• alto desempenho em geometria, xadrez, jogos de baralho e de computador, bem como habilidades tecnológicas superiores.
Caro usuário, clique aqui para conhecer mais sobre as definições formais da Dislexia.
Sem a identificação precoce e intervenção de seus professores, alunos com dislexia correm o risco de passar por fracassos contínuos na escola. Os disléxicos perdem a confiança e a motivação rapidamente quando percebem que seus colegas avançam nos conteúdos e os deixam para trás. Os impactos em longo prazo dessa perda de autoestima não devem ser subestimados. Jovens com dislexia se sentem derrotados pela escola e provavelmente não irão continuar os estudos, o que diminui as chances deles de encontrar um bom emprego futuramente. Em alguns casos, os disléxicos se tornam marginalizados, não conseguem se integrar socialmente e podem se envolver com comportamento antissocial e de risco.
Veja algumas das consequências da negligência no correto tratamento da dislexia:
Agora assista aos dois vídeos do Instituto ABCD com depoimentos de pessoas com dislexia. Perceba a força da questão genética, onde a incidência do transtorno é maior em uma mesma família. Note o quão importante foi o diagnóstico da Dislexia para essas pessoas, já que puderam trocar os rótulos de “pessoas burras e preguiçosas”, dado por seus colegas e professores, por um entendimento sobre sua condição específica e consequente ajuste no tratamento.
Depoimentos Dislexia em família – Instituto ABCD
Depoimento Nazaré Metsavaht – Instituto ABCD
Clique aqui para mais vídeos e testemunhos de disléxicos.
Agora que já compreendemos um pouco mais sobre a dislexia e o seu impacto, vamos recapitular parte do que aprendemos.
Complete as questões do link a seguir para testar seus conhecimentos.
A dislexia é uma condição neurobiológica. Em outras palavras, o cérebro de crianças e de adultos com dislexia não funciona da mesma forma que o cérebro daqueles que não têm dislexia.
Caro usuário, essa declaração é agora absolutamente incontestável. Poderosas técnicas modernas de neuro-imagem, que nos permitem tirar “fotos” do cérebro e também localizar quais regiões são ativadas durante a leitura ou outras atividades, complementam informações de estudos de mais de 50 anos atrás que detectaram aspectos diferentes no crescimento e organização do cérebro de pessoas com dislexia.
Tomadas em conjunto, essas evidências mostram sem dúvida que crianças e adultos com dislexia ativam outras regiões de seus cérebros quando leem palavras em comparação com crianças e adultos sem dislexia quando leem as mesmas palavras nas mesmas circunstâncias. As causas, assim como a exata natureza dessas diferenças, no entanto, ainda não são claras.
O que podemos dizer com certeza é que, porque a “Dislexia não é uma categoria única, mas um transtorno que se encontra em um espectro de déficits” (Profa. Maggie Snowling, Universidade de York, UK) e porque a combinação desses déficits varia de uma pessoa com dislexia para outra, não existe uma “causa” única para a dislexia. Além disso, estudos mostram padrões diversos de desenvolvimento entre pessoas com dislexia.
Existem numerosas hipóteses sobre por que o cérebro das pessoas com dislexia se desenvolve e funciona de forma diferente.
Uma delas postula que algumas das numerosas conexões e caminhos necessários para a leitura não estão funcionando idealmente ou não foram estimulados de forma adequada. Para se ter uma ideia de quantos caminhos complexos são necessários para ler uma única palavra, veja este diagrama do Prof. Stanislas Dehaene, que, como ele mesmo enfatiza, é muito simplificado!
Pode haver um problema na leitura se quaisquer desses caminhos, ou regiões cerebrais conectadas por esses caminhos, não funcionar eficientemente.
Outra hipótese, que não é incompatível com a anterior, é a de que os neurônios que formam os caminhos entre as regiões cerebrais envolvidas na leitura não se desenvolveram e não se moveram para suas posições normais por causa de uma codificação genética defeituosa.
Essas deficiências no desenvolvimento do cérebro podem surgir de problemas relacionados à autoimunidade do feto e pelo impacto ambiental, que inclui, por exemplo, nutrição insuficiente.
Há duas mensagens importantes:
• por enquanto, é prudente manter uma mente aberta sobre as causas dos diferentes tipos de dislexia; e
• na prática, o professor durante a sua experiência de ensino, chegará a apreciar a neurodiversidade de todas as suas crianças e também as diferenças individuais exibidas pelas crianças com dislexia.
Em suma, não há dúvidas de que existem diferenças significativas entre o desenvolvimento e funcionamento do cérebro de pessoas com dislexia e pessoas sem dislexia, mesmo se as causas exatas dessas diferenças sejam questionadas. Embora essas diferenças envolvam dificuldades com o desenvolvimento e domínio de habilidades necessárias para a alfabetização e, frequentemente, com outras habilidades, existe o outro lado da moeda. O fato de que os cérebros de crianças e adultos com dislexia trabalharem de forma diferente, prepara algumas delas, ou várias delas, para outras formas de perceber, compreender e pensar. Quando nos referimos a pessoas com dislexia, muitos usam a expressão “pensar fora da caixa”. Isto frequentemente é refletido em habilidades criativas, não convencionais e algumas vezes superiores.
Seguindo essa linha de pensamento, alguns pesquisadores e profissionais preferem dizer que as diferenças entre o cérebro de pessoas com dislexia e o cérebro de pessoas sem dislexia meramente representam diferentes facetas da neurodiversidade que é inerente à natureza humana.
Clique aqui para saber mais sobre as causas da dislexia.
• A dislexia é um distúrbio da linguagem, de base neurobiológica, que induz dificuldades em leitura, soletração e de escrita. É frequentemente acompanhada por problemas em concentração, memória de curto prazo, organização e com informações apresentadas de forma sequenciada (ex., alfabeto, dias da semana, meses…).
• A dislexia distingue-se das outras desordens da leitura contraídas após danos cerebrais (dislexia adquirida ou alexia), por ser uma condição do DESENVOLVIMENTO, frequentemente inata. Por isso, é também chamada de dislexia do desenvolvimento.
• Diferentemente das situações em que as capacidades de leitura e/ou de escrita já estabelecidas são perdidas como resultado de fatores externos (injúria a partes do cérebro que dão suporte à leitura e a escrita), na dislexia, as crianças mostram dificuldades na APRENDIZAGEM da leitura e da soletração, que podem se refletir, posteriormente, na forma em que escrevem textos.
• Por não ser resultante de limitações intelectuais, motivacionais, educacionais e familiares, tampouco de problemas sensoriais, emocionais e socioeconômicos, a dislexia é também chamada de “dificuldade específica de aprendizagem da leitura” ou de “transtorno específica de aprendizagem, com prejuízo na leitura”, sendo essa última denominação, a adotada recentemente pelo DSM-5.
• Por isso, os professores ao levantarem a suspeita de dislexia devem orientar os responsáveis pela criança a averiguar por meio de consulta a profissionais competentes se o problema de aprendizagem da criança é predominante na leitura e/ou na soletração. Isso porque é muito importante descartar todos fatores acima, que isoladamente ou em diferentes combinações podem também afetar a aprendizagem da criança, mas de maneira diferente.
• Em um caso ou em outro, a identificação precoce de dificuldades de aprendizagem pelos professores é fundamental.
• Se esses estudantes não são identificados, apoiados e ensinados de um jeito adequado, tornam-se muito desencorajados, podendo perder toda a autoestima, o que pode induzir a abandono escolar, desemprego, à marginalização e ao desenvolvimento de comportamento antissocial.
• A dislexia ocorre em diferentes graus com o comprometimento da leitura podendo variar de leve, mediano a severo. Pode ainda ser acompanhada de déficits em outras funções cognitivas. Por ser um transtorno com múltiplas facetas, que varia de pessoa a pessoa, não é resultante de uma “causa” única.
• Quanto a essas causas, podem ser atribuídas a fatores genéticos que podem afetar tanto o desenvolvimento do cérebro (os níveis cortical e subcortical do cérebro de crianças disléxicas se desenvolvem de forma diferente do cérebro de crianças sem dislexia), quanto a levar a alterações nos nervos magnocelulares visuais e auditivos. Uma baixa resistência imunológica do feto tem sido também apontada como causa da dislexia, assim como os fatores ambientais, tais como deficiências nutricionais.
• Outro componente da dislexia é seu caráter “vitalício”.
• As consequências da negligência na identificação precoce e no tratamento (ensino especializado da leitura) são devastadoras.
• Os disléxicos apresentam muita dificuldade com o desenvolvimento e domínio de habilidades importantes para a alfabetização e, frequentemente, com outras habilidades também, como veremos.
• Em contrapartida, os disléxicos podem se destacar em muitas capacidades que não envolvem a leitura e a escrita (habilidade ecial, tecnológica e social). Por funcionarem e pensarem de forma diferente de pessoas não disléxicas, geralmente são criativos.
Parabéns! Com isso completamos a Unidade 1.
Agora que já compreendemos o que é a dislexia, Impacto e as suas causas, vamos recapitular o que aprendemos.
Clique aqui para completar as questões do teste da Unidade 1 e descubra quão bem você se saiu.
Caro usuário, agora, nesta unidade, os seguintes tópicos serão tratados:
• reconhecimento de palavras
• circuito cerebral da linguagem
• processamento da linguagem
• fases do desenvolvimento da leitura
• compreensão de texto
• Defender porque o reconhecimento automático e rápido das palavras escritas é um pré-requisito para se tornar apto a compreender textos.
• Descrever as fases de desenvolvimento da leitura do ponto de vista neurocognitivo.
• Enumerar os fatores necessários para a compreensão da leitura.
Sem dúvida, o objetivo final da leitura é a compreensão, isto é, extrair o significado das palavras e do texto e construir-lhes o sentido adequado. Do mesmo modo, o objetivo final da escrita é comunicar os sentidos de modo a contemplar as intenções visadas pelo redator.
Para o leitor fluente, a compreensão é uma capacidade muito complexa que mobiliza toda uma série de processos, após o reconhecimento da palavra, envolvendo capacidades linguísticas gerais, o conhecimento prévio do assunto, a inferência, a antecipação e assim por diante.
Contudo, a fim de entender o que as palavras escritas dizem, é absolutamente essencial que o aprendiz que automatiza os mecanismos para reconhecer as palavras lê ligeiro e eficientemente.
Como os pesquisadores Alegria, Leybaert e Mousty (1997) enfatizam, o papel fundamental desempenhado pela identificação das palavras escritas decorre do fato de que é logicamente inconcebível que se possa entender um texto sem ser capaz de reconhecer a maioria das palavras que ele contiver. Isto se aplica ainda mais à medida que o texto se torna maior e menos previsível.
As pesquisas demonstram que os bons leitores, mesmo os iniciantes, raramente usam o contexto para identificar as palavras. Isso porque as palavras são usualmente identificadas antes que a informação contextual fique disponível. São os maus leitores que, com frequência, recorrem ao contexto para identificar as palavras a fim de compensar sua dificuldade em reconhecê-las.
Para comprovar este aspecto, numerosas pesquisas também demonstram que a identificação rápida e acurada das palavras pelos bons leitores libera seus recursos cognitivos e atencionais para serem direcionados para captar e integrar o significado das palavras a fim de entender um texto.
Isso não acontece com os maus leitores: grande parte de seus recursos cognitivos e atencionais são gastos na identificação de palavras, que ocorre de forma lenta e imprecisa, comprometendo assim a compreensão do texto.
A consolidação do reconhecimento automático e preciso das palavras é um pré-requisito para se tornar apto a compreender textos. Isso explica por que o aluno com dislexia tem problemas de chegar ao significado do texto.
É fundamental, antes de retomarmos os processos de compreensão da leitura, conhecermos um pouco sobre o circuito da linguagem no cérebro, bem como as fases de aprendizagem dos mecanismos de identificação de palavras. Assim, trataremos desses assuntos no próximo item.
Como apontado pelo prof. Stanislas Dehaene no Open Online Forum “Dislexia: Neurociência e Psicologia Cognitiva”, organizado pela Dyslexia International em novembro de 2008, para entender o sistema de leitura, de escrita ou de aritmética é necessário enfatizar que o cérebro não passou por uma evolução específica para dar suporte a esses sistemas, que são invenções humanas.
Dessa forma, uma das teorias é a de que reciclamos regiões cerebrais já existentes para realizar funções que não foram geneticamente programadas em nossa evolução. Inclusive nos dias de hoje, apenas 3% (200 dentre 6000) das línguas faladas no mundo possuem a escrita. Presume-se então que a dislexia não apresentava significância na seleção evolutiva, conforme Purves et al. (2008).
Apesar disso, é importante ressaltar que o cérebro já está estruturado para a linguagem falada. É possível identificar ativações cerebrais em regiões da linguagem inclusive em bebês recém-nascidos. Assim, ao que o nosso cérebro precisou se adequar foi à inclusão do processamento da forma escrita da palavra.
Há 6 MIL LÍNGUAS FALADAS NO MUNDO
Como podemos ver em maior detalhe no diagrama cerebral arquitetado pelo prof. Stanislas Dehaene (clique na imagem ao lado para ampliar), já apresentado na Unidade 1, a leitura se dá como consequência de diversos mecanismos neuronais, que resumiremos a seguir.
1. Atenção descendente e leitura serial: antes de ler um texto, primeiro precisamos de ter foco e atenção. Esse comando vem da região parietal (parte superior, entre a região frontal e a occipital de nosso cérebro), permitindo que possamos ler uma sequência de palavras e frases.
2. Entrada visual: a informação captada por nossos olhos é enviada à região occipital primária do cérebro (região logo acima de nossa nuca) para uma primeira triagem.
3. Área da forma visual das palavras: região também chamada de “caixa das palavras”, onde arquivamos os traços invariantes que formam as letras, aos quais emparelhamos os traços que extraímos dos sinais sobre a página; compomos as letras e uma ou duas, no português brasileiro (PB), vão constituir os grafemas, aos quais são imediatamente atribuídos valores (os fonemas). Prossegue o reconhecimento da(s) sílaba(s) até concluir a palavra. Por isto o nome científico da “caixa das palavras” é região occipitotemporal ventral esquerda (giro fusiforme), occípito, para o reconhecimento visual da palavra e temporal, para o reconhecimento fonêmico (tal como se a palavra tivesse sido ouvida). Todo esse processo é chamado por Scliar-Cabral (2013) de descodificação. Para o reconhecimento da palavra escrita, os neurônios dessa região precisam ser reciclados.
4. Dicionário mental (também denominado de léxico). Após o reconhecimento da palavra na região occipitotemporal ventral esquerda, ocorre o acesso lexical. Podem acontecer duas coisas: ou o leitor já a conhece, ou ele não a conhece. No primeiro caso, a base (morfema) da forma oral está arquivada no seu respectivo dicionário mental, o léxico fonológico.
5. Busca da significação básica: passo seguinte é a busca da significação básica. Todos nós possuímos uma memória semântica, em que estão organizadas as significações básicas em campos semânticos. A palavra “cadeira” está no campo semântico do mobiliário. São essas significações básicas que tornam possível a intercomunicação numa mesma comunidade linguística. Mas, como vimos no item 4, após o reconhecimento da palavra, podem acontecer duas coisas: ou o leitor já a conhece e a forma oral básica está arquivada no dicionário mental/léxico fonológico, ou ele não a conhece. Se ele conhecer a forma fonológica da palavra, poderá acionar a sua significação básica na memória semântica diretamente. Se a palavra não for conhecida, mas estiver em contexto, o leitor deverá inferenciar o sentido graças à informação que já extraiu do texto, em particular, das palavras próximas, combinada com seu conhecimento prévio sobre o assunto. Os processos examinados neste item se dão principalmente através dos feixes que associam o lobo temporal (região que fica na altura da nossa orelha) ao lobo parietal (girus angular), frontal e ao hipocampo. Como os processamentos seguintes, a construção do sentido e a interpretação envolvem muitos outros aspectos em paralelo da cognição, deixaremos de focá-los neste passo. Convém, porém, pontuar, que se trata do momento mais criativo da leitura, uma vez que as mesmas palavras devem cobrir as novas referências continuamente disponibilizadas pela cultura em crescimento exponencial.
6. Acesso à pronúncia e à articulação: ocorre independentemente da leitura ser silenciosa ou em voz alta. O processamento dos fonemas ocorre na região temporal e o dos esquemas fonoarticulatórios na região frontal (área de Broca).
Para muitos autores que têm trabalhado sobretudo com línguas escritas opacas, basta a exposição poucas vezes a uma palavra escrita para que ela seja registrada no léxico ortográfico (um dicionário mental formado por entradas lexicais, especificadas em termos das bases de suas grafias, para todas as palavras que o leitor conhece). Para outros autores, particularmente os que trabalham com línguas escritas transparentes, como o PB, vale lembrar que muitas correspondências entre os grafemas e os fonemas são independentes do contexto ou são totalmente previsíveis. Por isso, o emparelhamento das palavras contendo tais correspondências com suas respectivas representações fonológicas no léxico fonológico (um dicionário mental formado por entradas lexicais, especificadas em termos de suas pronúnicias, para todas as palavras que o leitor conhece) é feito com sucesso. Examinaremos mais adiante o que ocorre no segundo caso, quando a palavra não for conhecida.
Aprender a ler consiste em criar uma ponte entre o escrito (reconhecimento das letras e dos grafemas), o oral (fonemas) e o significado. Para isso é necessário automatizar o reconhecimento das palavras escritas (traços das letras e suas combinações, os grafemas e seus respectivos valores) para chegar às significações básicas e suas articulações e ser capaz de construir os sentidos que elas possuem nos textos.
Nota: caro usuário, reconhecemos que os itens 4 e 5 acima são muito complexos. Não se preocupe, durante o curso voltaremos ao assunto tratado nesses itens muitas vezes.
Caro usuário, clique aqui para saber mais sobre o cérebro e as regiões cerebrais responsáveis pela linguagem.
Agora que você já compreendeu neuroanatomia do processamento da linguagem, clique aqui e faça a Atividade 2.1.
De forma simplificada, quando lemos, ativamos circuitos complexos em duas áreas principais do cérebro que têm múltiplas interconexões, algumas, bidirecionais (ou recíprocas):
1. a região auditiva (no lobo temporal, em direção ao meio do cérebro), trata do reconhecimento das palavras ouvidas; e
2. a região visual (região occipitotemporal ventral esquerda, na parte de trás do cérebro), trata do reconhecimento das letras e das palavras escritas.
Aqui, iremos nos ater a esses dois circuitos, explicando como que ocorre o processamento da linguagem.
No decurso de nossas vidas, ouvimos muitas vezes a mesma palavra. Elas são pronunciadas por diferentes falantes que possuem diferentes timbres de voz, formas de pronúncia e velocidades de fala. Além disso, a palavra nunca é pronunciada exatamente do mesmo jeito duas vezes, mesmo pela mesma pessoa. Outra fonte de alteração da pronúncia das palavras se refere ao contexto. Por exemplo, em uma situação formal as pessoas falam de maneira diferente daquela de uma situação informal. Igualmente, a posição que a palavra ocupa na sentença (início, meio ou fim) leva a diferentes entonações. Portanto, existe uma grande variabilidade de cada palavra ao longo de todos os momentos em que ouvimos e aprendemos.
Como, então, podemos ser tão rápidos e acurados no reconhecimento da palavra falada apesar de sua variabilidade?
Isso acontece porque construímos progressivamente sua representação em nosso cérebro. Isso se dá por meio de entidades abstratas que não levam em consideração as variações ou desvios irrelevantes para o significado como a qualidade de voz, o sotaque, a velocidade ou o contexto.
Essas representações da palavra falada, que aprendemos ao longo de nossas vidas, são arquivadas na região auditiva do cérebro e progressivamente compõem todo um dicionário, chamado léxico fonológico.
Esta função se desenvolve à medida que a criança se torna consciente do fato de que as palavras podem ser analisadas em unidades menores de classes de sons, denominadas de unidades fonológicas.
Existem três tipos de unidades fonológicas menores do que a palavra que são relevantes para a aprendizagem da leitura. A definição dessas unidades que se segue é de acordo com o português brasileiro.
1. A sílaba: é uma unidade constituída obrigatoriamente por uma e apenas uma vogal (o centro silábico) que pode ser antecedida ou precedida por uma ou mais consoantes.
Por exemplo: /a/ /´moR/ para a palavra amor.
2. O ataque (onset) e a rima: são unidades que compõem a sílaba. Ou seja, a sílaba pode ser desmembrada em duas unidades menores: o ataque e a rima.
O ataque é a consoante, ou grupo de consoantes, que antecedem a vogal da sílaba:
/k/ na palavra /calo/ e /kl/ na palavra claro. A rima é a vogal da sílaba seguida por uma consoante (ou consoantes), que podem ser opcionais:
/aR/, /aw/, /awS/ nas palavras par, pau, paus.
A rima é a base para relacionar palavras umas às outras nas rimas das músicas e das poesias. Portanto, as rimas das canções de ninar são um excelente meio de sensibilizar as crianças para a similaridade entre as rimas fonológicas das palavras.
Por exemplo, mato, bato e pato rimam porque têm a mesma rima fonológica.
3. Fonemas: são unidades fonológicas ou classes de sons da fala que podem alterar o significado da palavra em uma língua. Por exemplo, as palavras /´bala/ e /´pala/ se distinguem entre si porque o fonema /b/ é [+voz], ou seja, as pregas vocais vibram ao pronunciá-lo, ao contrário de /p/ que é [-voz], ou seja, as pregas vocais não vibram ao pronunciá-lo.
Os símbolos [ ] incluem a forma como as palavras são faladas. São usados para a transcrição fonética. Os grafemas as e sequências escritas serão assinados por itálico.
Ex., [´katu] para a pronúncia da palavra escrita cato.
Os símbolos / / são para a transcrição fonológica. O apóstrofo em ambas a transcrição fonética e a fonológica indicam a sílaba tônica.
As menores unidades fonológicas são os traços fonéticos, uma vez que o fonema é um feixe de traços distintivos: /'bala/ só se distingue de /'pala/, porque o /b/ é [+voz], ao contrário de /p/ que é [-voz].
Portanto, em nosso exemplo os quatro fonemas que compõem a palavra escrita bala são /b/, /a/, /l/, /a/.
À medida que a criança começa a captar a ideia geral de que a palavra falada pode ser desmembrada, desenvolve a consciência fonológica, isto é, a consciência das unidades fonológicas, que progride desde a consciência das unidades maiores, a sílaba e as rimas, adquiridas na pré-escola, até das as menores, o fonema, adquirido quando começa a ler e a escrever.
Assim como explicamos a respeito das palavras, a consciência fonológica envolve a construção de representações que não são apenas sons ou sequências de sons, mas sim suas entidades abstratas, que:
• não levam em consideração as infinitas variações de pronúncia que não são relevantes para a sua identificação; e
• permitem ao ouvinte classificar sons e sequências de sons rapidamente e sem esforço apesar de sua variação.
Por exemplo, por que reconhecemos que porta e posta são palavras com significados diferentes e o mesmo não acontece quando ouvimos um carioca, um paulista de São Paulo, um de Jundiaí, ou um gaúcho de fronteira, dizendo a palavra porta. Cada um deles pronuncia o r da palavra porta completamente diferente, mas nossa mente despreza estas diferenças, porque o significado permanece o mesmo. Então o fonema /R/ é uma classe que abarca todas estas diferenças.
Somos capazes de reconhecer o fonema /R/ apesar de todas essas variações, porque desenvolvemos uma representação abstrata dessa classe de sons.
Para o aprofundamento dos conceitos introduzidos nesta seção e outros relacionados a eles, sugerimos a leitura de Scliar-Cabral (2013, Cap. 7, p. 101-109) [endereço para a aquisição dessa publicação: sistemascliar@gmail.com]. Como será explicada, a consciência fonológica e, especialmente, a consciência dos fonemas, é fundamental para a aprendizagem da leitura nos sistemas alfabéticos.
Esta região desempenha algumas funções necessárias à leitura, nos sistemas alfabéticos, já elencados no item 3 do circuito da linguagem, a serem explicitadas.
Os pontos em que são desmembradas as manchas capturadas pelos sensores dos sinais luminosos da linha impressa são transformados em traços invariantes, tais como retas e semicírculos, nas áreas primárias da região occipital. Dá-se, então, a primeira triagem: caso o indivíduo já esteja alfabetizado, o resultado deste primeiro processamento é enviado para a região occipitotemporal ventral esquerda que as emparelha com os traços invariantes de uma respectiva letra (retomaremos a esse ponto na Unidade 3).
Identificação de letras
Dá-se, então, a identificação da letra, sejam quais forem as fontes, a caixa (ALTA ou baixa) e estilo dessas letras. Considerando a letra “t” desde que ela exiba um traço mais ou menos vertical e um horizontal menor que corte seu término superior, pois construímos uma representação interna abstrata baseada em que estes dois traços, em tal relação topológica, são exclusivos da letra “t”.
Constituição dos grafemas
Um nível mais abstrato é o da constituição dos grafemas, unidades gráficas abstratas com a função de distinguir as significações básicas das unidades escritas, dotadas de significado. No português brasileiro escrito, uma ou duas letras constituem os grafemas, como, por exemplo, a, l, f, v, lh, ss, an e rr. Pode haver coincidência entre letra e grafema, quando ele for constituído por uma só letra, mas suas funções são distintas.
Conversão dos grafemas em fonemas
À medida que se dá a constituição dos grafemas, eles são imediatamente convertidos por meio de regras nos seus respectivos fonemas, unidades acústicas abstratas com a função de distinguir as significações básicas das unidades orais, dotadas de significado.
Esse processo de conversão dos grafemas em seus respectivos fonemas é chamado de decodificação fonológica (ou simplesmente de decodificação). Ao se decodificar a palavras lata, por exemplo, a sequência de fonemas gerada, ou seja, a representação fonológica /´lata/ ativa o significado correspondente a ela na memória semântica e também a articulação de cada fonema que a compõe.
Um ponto muito importante aqui é que se chega ao significado da palavra (pense no exemplo lata), a partir da representação fonológica da palavra decodificada, como se a palavra tivesse sido ouvida, evidenciando, portanto, a interação entre as regiões visual (isto é, occipital) e auditiva (isto é, temporal) do cérebro. No PB, devido à sua transparência para a leitura, essa forma de acesso ao significado funciona muito bem para a maioria das palavras, mas se devem ter em conta as seguintes situações: 1) ambiguidade grafêmica; e 2) palavras homófonas não homógrafas.
A ambiguidade grafêmica, primeira situação, significa que um grafema no mesmo contexto gráfico pode representar mais de um fonema e pode ser de dois tipos. O primeiro pode ser ilustrado com o caso do x quando está entre vogais, como na palavra escrita lixo, ou em fixo. Embora não exista nenhuma regra que possa predizer qual, entre as três possibilidades de representação dos fonemas /ʃ/, /s/ ou /kiS/, deva ocorrer nesse contexto grafêmico, é só a primeira que ocorre para lixo e a última para fixo. Então, se o leitor já tiver ouvido as duas palavras, elas ficam registradas no léxico fonológico e é ele que o leitor vai acessar para obter a pronúncia de cada uma dessas palavras e depois buscar o significado delas na memória semântica.
No segundo tipo, duas palavras distintas se escrevem do mesmo jeito, mas o valor dos grafemas e, o, na sílaba mais intensa, para uma palavra é fechado e, para a outra é aberto. Note, porém, que, embora você já tenha ouvido as duas formas, se lhe derem para ler a palavra sozinha gosto, não há nenhuma possibilidade de você saber de qual das formas se trata.
Outro fenômeno totalmente diferente (segunda situação), é o das homófonas não homógrafas, como em sinto/cinto, pois, para a leitura, não existe nenhuma ambiguidade, uma vez que toda a informação para chegar ao significado (memória semântica) está explícita na palavra escrita. No entanto, na leitura de palavras isoladas, dependendo da forma em que o significado dessas palavras é acessado, pode surgir uma ambiguidade. Se o acesso for a partir da representação ortográfica da palavra arquivada no “léxico ortográfico” ou do estímulo escrito, tudo certo, pois os campos semânticos de sinto e de cinto são distintos. Por outro lado, se o significado for acessado por meio da representação fonológica, resultante do processo de decodificação, surge então a ambiguidade, pois, para /’sĩtU/ existem, no mínimo, duas representações semânticas opostas. O acesso a uma ou a outra pode ser aleatório, mas, até certo ponto, pois a frequência de ocorrência da palavra pode também direcionar a escolha.
Na leitura, dentro de um texto das palavras com grafemas ambíguos, vejamos qual é o processamento:
• para as do primeiro tipo, como lixo ou fixo, se elas forem conhecidas, é obrigatório o acesso ao léxico fonológico para saber como elas se pronunciam, mas, como não existe a competição com as duas outras possibilidades fonêmicas, pois tais palavras não existem no PB, pode-se chegar ao significado na memória semântica apenas com a informação da palavra escrita no texto; e
• para as do segundo tipo, como em gosto e leste, a única possibilidade de desambiguar é através da informação morfossintática e se